Incontinência fecal (IF) é a perda do conteúdo intestinal (fezes gases ou muco) de forma acidental ou involuntária.
A IF pode acometer até 15% dos adultos, sendo mais frequente em mulheres e idosos. As principais causas de incontinência fecal são as lesões dos esfíncteres (músculos) anais e/ou sua inervação após os partos vaginais e cirurgias anorretais.
A lesão dos esfíncteres durante o parto vaginal é mais comum na primeira gestação. Em 70% das mulheres, os defeitos do esfíncter são assintomáticos no período pós-parto e os sintomas costumam aparecer mais tarde, principalmente após a menopausa.
Para entender as causas da IF, é preciso entender a anatomia e o funcionamento dos músculos e nervos que nos ajudam a controlar a eliminação/retenção dos gases e fezes.
A porção final do intestino, chamado reto, funciona como um reservatório onde as fezes ficam armazenadas até serem expelidas através do ânus. Para evitar a perda das fezes a região anal é composta por músculos que o circundam mantendo o ânus “fechado” até que estejamos em um local adequado para a eliminação das fezes. Existem 2 músculos que participam da continência: o esfíncter anal interno e o esfíncter anal externo.
O esfíncter anal interno é um músculo fino e involuntário. Ele permanece fechado o tempo todo, sem que nos demos conta disto, para evitar a perda de gases ou fezes. De forma simplificada, quando as fezes alcançam o reto e distendem sua parede, seu relaxamento ocorre através de um reflexo.
O esfíncter anal externo é um músculo mais forte e robusto e nós somos capazes de contraí-lo e relaxá-lo de forma consciente. É aquele nosso músculo amigo que nos ajuda toda vez que temos vontade de evacuar, mas o lugar não é propício. Neste momento, contraímos nosso esfíncter externo até estar num ambiente adequado.
No mecanismo de continência, todo este conjunto de estruturas (os músculos e os nervos que controlam estes músculos) trabalham como numa verdadeira orquestra de forma finamente sincronizada. Quando os músculos e/ou nervos estão danificados, este equilíbrio se desfaz e ocorre a perda acidental de gases e fezes.
Os sintomas podem variar de leves, como dificuldade de “segurar” as fezes ocasionalmente, apenas quando elas estão mais líquidas. Nestes casos, os sintomas estão relacionados a mudanças transitórias do hábito intestinal, como uma diarréia infecciosa ou o uso de medicamentos que alteram o trânsito intestinal. Os hipoglicemiantes orais, utilizados no controle para o diabetes, sobretudo a metformina, são um exemplo de medicamentos que podem provocar diarréia.
É muito comum o paciente se queixar de “diarréia”, pois como ele não consegue reter o conteúdo retal, perde fezes várias vezes ao dia e julga ter um quadro diarreico.
Nos casos graves, o paciente perde fezes/gases de forma mais frequente, por vezes diariamente, mesmo sem perceber. Neste contexto, é muito comum que a pessoa incontinente se afaste do ambiente social, por medo e vergonha, e com frequência desenvolve sintomas depressivos.
A avaliação começa pelo exame físico, realizado pelo médico no consultório, através da inspeção externa do ânus. Em seguida, é realizado o toque retal. Falhas e fraquezas na musculatura já podem ser identificadas neste momento.
Existem alguns exames que poderão ajudar a descobrir a causa da incontinência e, portanto, orientar o tratamento. Os mais importantes são:
Colonoscopia: avalia a presença de inflamação, tumores e outros problemas intestinais que podem interferir na continência
Manometria anorretal: mede a “força” dos músculos.
Ressonância magnética e ultrassom anal: mostram uma “foto” destes músculos de forma a identificar alguma falha estrutural.
Eletroneuromiografia: avaliar a inervação destes músculos.
Nem todas as causas de incontinência podem ser prevenidas, mas manter o intestino funcionando de forma regular e evitar a constipação intestinal já é um bom começo.
O tratamento depende da causa da IF e sempre deve ser feito sob orientação médica.
Se o paciente apresenta diarréia por uma doença inflamatória intestinal ou uma síndrome do intestino irritável, a primeira etapa é tratar e controlar a doença de base. Em seguida, o uso de fibras insolúveis, como o psyllium, ou medicamentos antidiarreicos, como a loperamida, o carbonato de cálcio e a racecadotrila, podem ser extremamente úteis.
Caso a IF seja causada por uma fraqueza muscular, a fisioterapia pélvica, também conhecida como biofeedback , associada ou não a uma eletroestimulação dos músculos, pode levar a uma regressão completa dos sintomas.
Se o esfíncter anal externo foi lesado por um trauma,seja um parto vaginal ou uma cirurgia anal, a cirurgia de esfincteroplastia pode ser uma opção de tratamento. As taxas de sucesso podem atingir de 60 a 70%, dependendo do tipo de lesão.
As técnicas de preenchimento podem ser utilizadas em situações muito especiais, sobretudo lesões pequenas do esfíncter anal interno. Nesta modalidade de tratamento, um material inerte preenche o espaço que se criou quando o músculo foi lesado, preenchendo o defeito e diminuindo o escape de fezes.
A radiofrequência ou procedimento Secca é baseado no uso de energia de radiofrequência aplicada no canal anal de forma a induzir remodelação tecidual e melhorar a “força” dos músculos esfincterianos. Sua aplicação é limitada e a técnica pouco utilizada.
Recentemente, a neuromodulação sacral, surgiu como uma inovação no tratamento da incontinência, sobretudo quando as opções anteriores falharam em aliviar os sintomas. O tratamento consiste na colocação de eletrodos diretamente em contato com os nervos sacrais através de uma técnica minimamente invasiva.
Estes eletrodos são conectados a uma espécie de “marca-passo” que estimula estes nervos continuamente. Este estímulo gera modificações no trânsito intestinal e um aumento da “força” dos músculos esfincterianos, melhorando os sintomas de incontinência.
O implante de um esfíncter anal artificial é uma técnica muito pouco utilizada pois apresenta altos índices de rejeição e complicações.
A IF causa muito constrangimento e, por isso, os pacientes tendem a esconder os sintomas e se isolar. Procure o especialista assim que os sintomas surgirem. Existem muitas causas e muitos graus de incontinência e diversas opções de tratamento.
Mesmo se a causa da incontinência não possa ser completamente resolvida, a melhora dos sintomas pode ser alcançada em até 70 a 80% dos casos.